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O Patrimônio é dos Pais: Um Olhar Jurídico sobre o Direito à Autonomia

O julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1.309.642, Tema 1.236, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), trouxe à tona um debate essencial: o patrimônio construído pelos pais pertence a eles e não aos herdeiros presumidos.



um idoso é capaz de administrar seu próprio patrimônio
Autonomia é um direito que precisa ser respeitado.

A decisão derrubou a obrigatoriedade do regime de separação de bens para maiores de 70 anos, reforçando a ideia de que a autonomia e a dignidade são direitos inalienáveis, independentemente da idade.



A regra da separação obrigatória de bens, prevista no artigo 1.641, II, do Código Civil, tinha como objetivo proteger o patrimônio dos idosos contra casamentos ou uniões de conveniência, evitando o que se convencionou chamar de "herança antecipada". Contudo, a prática mostrou que a norma fazia algo além: limitava a liberdade de idosos de decidirem sobre suas relações e sobre seu próprio patrimônio.


O STF, ao julgar a inconstitucionalidade dessa regra, destacou um ponto-chave: o patrimônio de uma pessoa é uma extensão da sua liberdade e autonomia, e negar a elas o direito de dispor sobre ele, ou de escolher um regime de bens, é tratá-las como incapazes.

Essa decisão encontra forte apoio na Teoria da Justiça como Equidade, de John Rawls, que defende que as normas e políticas devem priorizar os mais vulneráveis, promovendo igualdade substantiva. Rawls argumenta que qualquer restrição ou desigualdade só é justificável se beneficiar diretamente os menos favorecidos.

Nesse caso, o STF aplicou esse princípio ao proteger o direito de idosos à autodeterminação. A imposição de um regime de separação obrigatória de bens não só desconsiderava o contexto individual de cada relação, mas também criava um tratamento desigual que marginalizava esse grupo etário.

Por outro lado, a regra da separação obrigatória reflete uma lógica utilitarista, buscando proteger o patrimônio de possíveis abusos em prol de um suposto bem-estar coletivo (neste caso, os herdeiros). No entanto, o utilitarismo, como bem pontuou John Stuart Mill, falha quando ignora as liberdades fundamentais de indivíduos em nome de benefícios generalizados.


decisão judicial sem precendentes
Uma decisão respeitosa que abre caminhos.


O STF rejeitou essa visão paternalista, reafirmando que não cabe ao Estado decidir como uma pessoa idosa deve gerir sua vida afetiva ou patrimonial. Isso marca um avanço não apenas jurídico, mas social, ao desconstruir estigmas sobre a capacidade de decisão dos idosos.

A decisão cria um precedente robusto para ressignificar a relação entre herdeiros e idosos:


  • O patrimônio não é antecipado: Ele pertence aos pais enquanto vivos, cabendo a eles a decisão sobre sua gestão e disposição.

  • Liberdade patrimonial: Casais acima de 70 anos podem escolher qualquer regime de bens, reafirmando sua autonomia.

  • Reconhecimento de individualidade: Cada relação e contexto deve ser respeitado, sem que normas genéricas tratem pessoas idosas como um grupo homogêneo e incapaz.


Por que Isso Importa?

Essa decisão do STF desmonta a ideia de que herança é algo a ser antecipado ou controlado. O patrimônio de uma pessoa, construído ao longo de uma vida de trabalho, é antes de tudo um símbolo de sua história, escolhas e autonomia. No Brasil, onde o envelhecimento da população é uma realidade, esse julgamento reforça que envelhecer não é perder direitos, mas reafirmá-los.

O Direito, ao lado da filosofia, cumpre aqui sua função de promotor de justiça social, reconhecendo que liberdade e dignidade são direitos inegociáveis em qualquer fase da vida. A desconstrução do conceito de "herança de pais vivos" não é apenas uma questão legal; é um avanço ético que devolve aos idosos o controle sobre suas vidas. Como o STF deixou claro, o patrimônio não é uma dívida moral para com os herdeiros, mas um direito inalienável daqueles que o construíram.

Essa decisão nos lembra que o Direito deve estar a serviço da liberdade, do respeito e da justiça — valores que jamais devem ser ofuscados por interesses patrimoniais. Afinal, como afirmou o próprio STF, "nada é mais digno do que permitir que cada pessoa escreva sua própria história, independentemente da idade".


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